Suspensão de serviços em clínicas da família por atrasos de pagamentos a OSs é um dos principais sintomas da crise
RIO – O sinal de alerta está ligado. Em meio à suspensão de serviços em clínicas da família devido ao atraso de repasses a organizações sociais (OSs), a prefeitura terá que prestar esclarecimentos ao Tribunal de Contas do Município sobre os cortes que têm sufocado o setor da saúde. Por unanimidade, os seis integrantes da corte aprovaram nesta terça-feira o relatório do conselheiro José de Moraes Correia Pinto, que alertou o município do risco de limitar recursos nessa área. De acordo com o documento, a decisão do governo vai provocar “impacto negativo direto na qualidade e na quantidade dos serviços oferecidos à população” e a falta de pagamentos a organizações sociais “deverá resultar no aumento dos débitos financeiros”.
O relatório mostra, como O GLOBO revelou ontem, que a dívida da prefeitura com organizações sociais chega a R$ 460 milhões, se levados em conta restos a pagar do ano passado. Outro dado curioso é que os cortes foram feitos em um compasso bem maior que a queda de receitas: enquanto os repasses federais e estaduais do SUS caíram 5,28% na comparação com o exercício de 2016, a despesa empenhada pela prefeitura na Saúde sofreu queda de 10,77%. Sem dinheiro, o número de contratos emergenciais (60), segundo o TCM, representa 35% dos 173 documentos assinados este ano.
— Acho que a saúde já está totalmente comprometida este ano. Isso é gestão pública. A responsabilidade, no meu entendimento, é do prefeito da cidade. Ele diz que quer cuidar das pessoas. E as pessoas estão morrendo nas filas dos hospitais — disse José de Moraes.
Também ontem o secretário municipal de Saúde, Marco Antonio de Mattos, se reuniu com vereadores e disse que, se não conseguir recursos para fechar o ano sem dívidas em 2017, vai precisar de R$ 1 bilhão, além do que está previsto no orçamento do ano que vem, que é de R$ 5,4 bilhões. Para chegar até o fim de 2017, ele afirma precisar de R$ 600 milhões. Segundo ele, os vereadores ficaram de propor emendas ao orçamento para reforçar a Saúde em 2018:
— Se a gente não conseguir executar todo o orçamento de 2017, a gente vai levando restos a pagar para 2018.
Segundo estimativa do secretário, a dívida da prefeitura com fornecedores gira em torno de R$ 250 milhões, além de outros R$ 266 milhões do ano passado (sendo R$ 100 milhões só para organizações sociais). Mattos disse que não há definição sobre recursos que possam encerrar a greve dos funcionários das clínicas da família:
— De 2017, a gente tem alguns atrasos de pagamento. Não só com as OSs, mas também com fornecedores. Este valor ainda está sendo estimado, não só pela Fazenda, mas pela Saúde. Estimo que hoje esteja em torno de R$ 250 milhões.
PREFEITO NEGA DÍVIDAS
Apesar do cenário caótico nas clínicas da família e em hospitais, o prefeito Marcelo Crivella negou na manhã de ontem que a prefeitura esteja em atraso com as organizações sociais.
— Nós estamos descontingenciando (verba) dentro das necessidades. E prioridade é a Saúde. Tivemos problemas com atrasos das OSs, e isso se deveu, você sabe, aos problemas que as OSs tinham no passado, todos lembram, de prestação de contas. Nós estamos sendo rigorosos, mas está tudo em dia hoje. Não há uma OS atrasada. Nenhuma. Nenhuma. Nenhuma. Os salários de outubro já vão ser pagos agora. Estamos liberando cerca de R$ 58 milhões de reais para colocar os salários de outubro, pagos ainda nesta semana — afirmou o prefeito, que justificou, ainda, o contingenciamento de aproximadamente R$ 550 milhões da pasta. — Nós não queríamos fechar o ano com déficit como foi no ano passado. Fizemos o contingenciamento, mas estamos excepcionalizado todas as despesas da saúde para que não tenha problema de atendimento ou de salário.
O conselheiro José de Moraes, por sua vez, disse que o discurso do prefeito sobre os pagamentos em dia está “totalmente equivocado”.
— Essa fala é inverídica. Na verdade existem algumas OSs que já não recebem há quatro, cinco meses. Eles já estão em greve, trabalhando com 35%. Não existem remédios, os salários estão atrasados, e a rede própria também está em uma situação caótica — disse o conselheiro.
Já o secretário Marco Antonio de Mattos reconheceu que os valores dos repasses para as OSs estão sendo menores que os estabelecidos nos contratos, mas alega que eles nunca deixaram de ser feitos:
— Não houve ausência de pagamento. Existe jurisprudência na Justiça de que as OSs não podem deixar de prestar serviços.
Enquanto isso, o vereador Paulo Pinheiro (PSOL), membro da Comissão de Saúde da Câmara, diz que o que mais assustou os vereadores foi o fato de a Secretaria de Fazenda, e não a de Saúde, ter planejado para que áreas iriam os recursos adicionais (R$ 553,3 milhões) acrescentados ao orçamento da pasta de 2018 por Crivella no mês passado.
— É uma mostra da completa desorganização do governo atual. Parece que é um avião com piloto automático.
No governo do estado, a crise financeira também deixa a Saúde combalida. Nesta terça-feira, a Justiça determinou que o o Executivo aplique 12% de sua receita mensal no setor. Como antecipou Ancelmo Gois em sua coluna ontem no GLOBO, até julho o estado só vinha aplicando 3,7%. A ação foi impetrada pelo Ministério Público. O governador Luiz Fernando Pezão disse que os arrestos determinados pela Justiça dificultaram o cumprimento desse percentual, que é previsto em lei.
Jornal O Globo – POR CARINA BACELAR
15/11/2017 4:30